07 julho 2009

Homens são de Marte, mulheres são de Vênus - mas os crentes são de onde?



Idéias têm consequências. Idéias erradas têm más consequências. Todos indivíduo tem, inevitavelmente, um conjunto de crenças. Essas crenças, justificadas ou não, se apóiam em outras crenças, as quais, por sua vez, se apóiam em outras, e assim sucessivamente, até que chegamos às chamadas crenças básicas - isso é, crenças que não se apóiam em outras, e que são, por assim dizer, "auto-evidentes".

Quando partimos de falsos pressupostos ou de errôneas interpretações sobre como o mundo externo deve ser, as crenças derivadas desses pressupostos ou interpretações podem ser nefastas para o indivíduo que as suporta. Uma dessas errôneas interpretações, e a que vamos abordar aqui neste texto, é do trecho bíblico que afirma que os cristãos "não são deste mundo". Vamos demonstrar a que incoerências práticas pode levar uma errônea interpretação de um trecho bíblico, o qual age como pressuposto de várias de suas crenças sobre o mundo e sobre como ele deve nele agir.

Vamos partir então da experiência para demonstrar aquilo a que nos propomos. Acho que todos devem conhecer pelo menos um evangélico que não pode ouvir nenhum tipo de música que não seja "gospel" ou de "louvor e adoração", ou que não pode frequentar bares ou danceterias, ou que não pode ir a festas que não sejam de crianças, familiares ou sociais. Há até casos mais extremos, em que o evangélico não pode nem mesmo jogar futebol, usar bermudas (no caso dos homens) ou calças (no caso das mulheres).

Então, ao observar tudo isso, perguntamos: "Mas não pode por quê?". Resposta simplista: "Porque não somos deste mundo". Mas geralmente, quase sempre, a resposta é melhor elaborada do que isso (apesar de não menos errada), porque tenta-se encontrar versículos bíblicos que justifiquem a já estabelecida prática do não-pode. Mas essa prática já estabelecida tem suas raízes num ascetismo meio intra e meio extra-mundano, que por sua vez tem como pressuposto uma errônea interpretação do que significa não ser deste mundo.

Quando dizemos que a pessoa acredita "não ser deste mundo", isso não quer dizer que ela apenas acredite ser de outro lugar, de outra dimensão ou de outro planeta. Essa crença, na verdade, faz parte de uma mais complexa cadeia de pensamentos, e o "não ser deste mundo" geralmente engloba também o seguinte raciocínio: "se dá prazer, então agrada a carne, e se agrada a carne, então é pecado. Logo, se eu não sou desse mundo, eu sou um ser espiritual, e o que é espiritual é oposto à carne. Já que esse é o estado das coisas, então tudo o que eu fizer deve ser espiritual, para agradar a Deus, porque Deus não gosta da carne".

De certa forma, então, a inconsciente motivação do indivíduo para considerar como pecado as atividades que acabamos de citar é a negação do prazer que delas derivam. Seria, em outras palavras, uma demonização do prazer.

Examinemos isso na prática. Por que frequentar um bar ou uma danceteria, por exemplo, seria pecado? Geralmente obtemos respostas que apontam para a não-contaminação do cristão nesse tipo de ambiente. Mas esse tipo de resposta cabe a um cristão de fraca consciência, facilmente abalável e influenciável. Nesses casos, poderíamos recomendar a um cristão assim que não frequente esses ambientes, mas não ainda proibir. Mas e para os cristãos maduros, que não correm esse risco? Por que seria pecado frequentá-los?

O nosso evangélico afirma que tudo o que fazemos deve ser feito "para a honra e glória de Deus". Assim, ele segue seu raciocínio e nos ataca: "Você vai honrar e glorificar o nome do Senhor em um bar ou danceteria? Você está indo lá para pregar o evangelho? Essa música que você está ouvindo louva o nome de Deus? Olha, pode até não ser errado, irmão, mas devemos evitar."

Bem, realmente não vamos a uma festa para honrar e louvar o nome de Deus, e é verdade que muitas músicas que ouvimos também não o fazem. Na verdade, muitas músicas não falam absolutamente nada sobre Deus. Nem contra e nem a favor. Mas será que tudo o que fazemos deve ser para honrar e louvar o nome de Deus? Será que tudo mesmo?

Então eu faço as seguintes perguntas: Alguém faz sexo pensando em Deus? Alguém em pleno ato sexual levanta as mãos pro céu e faz uma oração? Ainda uma outra pergunta: Alguém vai ao banheiro pensando em Deus? Alguém chega "diante do trono" (desculpem o trocadilho inevitável) e ora: "Deus, esta obra é para o Seu louvor"?

Sim, fui um pouco extremista em meus exemplos. Mas isso foi intencional, pois o que eu quero deixar claro é o seguinte: nem tudo o que fazemos, o fazemos para Deus. Há muitas coisas que fazemos simplesmente porque somos deste mundo, sim senhor(a). É impossível e desnecessário suprimir a nossa humanidade, da qual o próprio Jesus se revestiu.

Mas surge então uma próxima questão: qual é a linha que divide o que podemos fazer para nosso próprio prazer e o que devemos fazer para a glória de Deus somente? A partir desse ponto, a discussão se torna irremediavelmente extensa. Cada caso é um caso, e isso está fora do escopo deste texto. Mas é certo que "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte".

Se ouvimos uma música secular, o fazemos pelo prazer de ouvi-la - e qual o problema desse prazer? Muitas músicas falam de coisas que interessam unicamente à esfera de nossa humanidade - de nossos relacionamentos, amores, frustrações, de nossa solidão. E qual o problema em ser humano?

Há muitas pessoas dentro das igrejas hoje que sofrem por causa de privações desnecessárias a que são submetidas. Depois de um tempo, não suportando a tensão, buscam desenfreadamente a satisfação de seus desejos reprimidos, e então se desviam da fé. E de onde tudo isso começou? De forma inconsciente, como já afirmamos, de uma insensata demonização do prazer. A partir disso, de uma pobre fabricação consciente que tenta dar sentido a esse ato inconsciente. Essa fabricação consciente é formada de falsos pressupostos oriundos de errôneas interpretações de trechos bíblicos, além de uma desobediência, por parte de sua liderança, de um explícito mandamento bíblico: não restringir a liberdade do meu irmão em Cristo. (Afinal de contas, proibir é mais fácil que ensinar.)

Idéias têm consequências. Quando o cristão se sente oprimido em sua fé, ele deve analisar seus pressupostos, pois provavelmente há uma deformação em seu cristianismo. E, como vimos, seus pressupostos podem levar a uma praxis cristã desnecessariamente repressora, que cedo ou tarde, pode minar a sua fé.

Glauber Ataide

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